10 de Copas
– Carta p/ Clarice
Clarice, veja
há algo nos olhos que dizemos medo
há algo no agora que dizemos nunca
o que sabemos, eu e você
é que tanto as tendências como as palavras
cedo ou tarde
apontam para essa coisa de loucura
ou então essa coisa de razão
mas pouco importa
ainda somos a roleta onde a criança de um Deus
brinca de apostas
e os dados, bem
brincam de fazer as regras
brincam com a hermenêutica conspiração russa paralelismo
imperativo Kantiano extermínio das massas dor
enquanto nós, eu e você
ainda estamos naquele tempo
(velho tempo de Hemingway Whitman)
onde quem brinca de papel e caneta
tem que saber das coisas
coisas como
formula quântica teoria da desertificação linguística ativos sobre passivos o sorriso do homem
o que ninguém sabe, e eu também não sei
por que há pessoas que se escondem com toques de recolher
pessoas que se escondem com toques de lábios
pessoas que
se escondem
a metafísica, tua metafísica, essa metafísica
pouco diz o porquê do filho chorar
enquanto o pai enche a caneca
e ele enche varias vezes
e era uma caneca bonita
dizia “bondinho” “arcos da Lapa” “cidade maravilhosa” “we love Rio”
tinha um coração vermelho nela
por aqui, Clary
ainda estamos no tempo
onde as estampas dizem mais de um país do que seus políticos
e é por isso que nos leem, Clary
alguém precisa dizer que seremos mais nós amanhã
como as cartomantes fazem com um 10 de Copas
falam que as luas de Júpiter estão se alinhando
dizem tudo azul pra você tudo blue pra você país abençoado por Deus
mesmo que as democracias
estejam nas maquetes
e o homem com a caneca esteja no poder
mesmo com as pedras no caminho nas ruínas nos cálculos nos túmulos
até o Atlântico, Clarice
o Atlântico é a maior estátua da história desse país
cimento pedra e pôr do sol
palavra amar, amar palavra (espelho)
por isso eu te digo
precisamos das cartomantes e das Macabeas
precisamos das pedras
das estéticas das estáticas
(a geração pop estará em Angola)
requentando a paixão tropical, baby
requentando a exaustão do povo
do grito
do verso
do passado
do Atlântico
we love New York so much
as cartas, Clary
não me explicaram por que a palavra espelho
se parece tanto com a palavra medo
por que os Van Goghs e as orelhas
os Sá Carneiros e os suicídios
Nietzsches e as demências
por que as barrigas vazias
e as canecas cheias
enquanto a cartomante na pensão do Sul
passa o dia inteiro esquecendo as coisas
e dizendo que vai chover
e ora, Clary, nunca chove
os desertos serão mais desertos amanhã
o 10 de Copas não entende de Júpiter
eu e você sabemos
que ele só sabe
explicar
O amor.
(Ps: ad infinitum abbey road)
Me cuesta un poco leer, por la diferencia de idioma, pero me gusta mucho tu poesía. Tu heterónimo, por cierto, me recordó a Bernardo Soares, uno de los heterónimos de Pessoa. Me encanta el poeta portugués.
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Amigo!! Que lindo teu comentário. Tenho uma paixão absurda por Bernardo Soares. Acho um heteronimo lindíssimo. Augusto é um de meus heterônimos favoritos, gosto muito de escrever nele. Obrigado pela leitura, e um imenso abraço aqui de Brazil :))
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Muito obrigado! Me alegra que podamos leernos y entendernos, a pesar de la diferencia de idioma. Un placer haberte conocido. ¡Un fuerte abrazo desde España!
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Sim, querido amigo. Esse é um dos grandes atributos das línguas irmãs, como são a minha e tua: a correlação. Grande abraço e grato por tua leitura 🙂
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Guilherme, um grande achado teu blog. Gosto do que escreves! Vi que passaste pelo meu singelo blog… Grato! Virei aqui mais vezes certamente!
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Querido! Gostei muito de teu blog também. Um grande prazer te ter por aqui. Volte sempre! Grande abraço 🙂
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Não sei de você. Pessoalmente, acho que o amor está para os amadores como o 10 de copas está para o futuro. Pode até revelar alguma coisa, mas essa coisa já estava lá.
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Olá! Sim, concordo contigo. Acho interessante a temática da cartomante, por dois aspectos. Primeiro, por lidar com o plano do desconhecido, independente se existente ou não. A escrita muito se faz nesse tatear pelo escuro. Segundo, sendo o poema um discurso também direto à Clarice Lispector, se conheces o livro “A Hora da Estrela”, sabes que ele gira em torno de uma personagem marginalizada, que encontra os dois extremos, amor e morte, na revelação de uma cartomante. Queria uma Ode à Clarice no processo de construção de meu livro, e achei válida a abordagem. Abraço! 🙂
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Mais do que válida, original. E mais do que original, big bem escrito. Abraço!
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Mariel queriro, grato por tua leitura. Ando num reforço e estudo feroz nesse Heteronimo, o Augusto. Derrida, e o conceito da desconstrução permeia a essência da poesia dele. Aos poucos vou postando a produção, a contribuição dele é a última que falta para a conclusão de meu livro. Grande abraço a ti, amigo. Guilherme
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Eu simplesmente amei isso!
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Evelyn! Muito obrigado por tua leitura, querida :)) Volte sempre! Mil beijos
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Voltarei! Retribuo o convite! Meu blog sempre tem texto novo.
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Pode deixar! 🙂 Beijos, querida!
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Que coisa maravilhosa que acabei de ler. Muita precisão em costurar palavras que carregam significados tão pesados. Faltam argumentos pra falar da tua escrita, irmão.
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Irmão! Fiquei muito contente com teu comentário. O Augusto foi um Heteronimo que reformulei por completo, tendo em vista os originais aprovados pela editora. Ele fazia uma poesia erudita, mais ao molde clássico, romântica em excesso. Pela necessidade do tempo e da contemporaneidade, desfiz-me do Augusto 1, que tinha como modelo Vinicius, Neruda, Mallarme, e criei esse novo. Amadureco constantemente nele, e é um de meus poetas que mais gosto. Grato por tua leitura, irmão. Grande abraço 🙂
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Interessante o vosso sítio (devia dizer “site”, mas tô sem saco). Adorei a trilha sonora e gostei da despretensão original de alguns poemas. Comunique-se. Um abraço.
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Sonoridade e despretensao são duas belas aliadas na poesia 🙂 E duas escolas onde vivi anos de formação. Grande abraço, de nuevo, mi hermano 🙂
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